No reduto de um artista

Nascido em Lisboa, na freguesia de Santa Engrácia, a 06 de Agosto de 1922, José Antunes Cosme, tem raízes na freguesia de Pomares. A mãe natural de Corgas, era dona de casa e, o pai, natural de Torrão, trabalhou nos caminhos-de-ferro.
Autodidacta, meticuloso, dotado para as “habilidades” são algumas das características de José Antunes Cosme, que utiliza como arma de combate a arte para “fugir dos momentos do dia-a-dia”.
Criador de inúmeras obras, das quais não tem conta, confessa-nos que não tem escola e que todos os trabalhos até hoje concebidos são fruto da “habilidade com que nasci”.
Aos 84 anos de idade, refere que “quando a gente não nasce com habilidade não é a escola que dá”, porém diz-se convencido de que “qualquer pessoa faz um desenho. Até me faz confusão como é que uma pessoa que pega num lápis, não é capaz de desenhar o que vê”, questiona incrédulo defendendo que o faz “por intuição”.
Apesar de gostar de ensinar os outros, garante que não tem “paciência” para tal, porque “não tenho formação para ensinar os outros. Quem quiser aprender comigo começa pelo bê, à, ba. Começa pela perspectiva, não é fazer desenho à vista, porque eu ainda hoje faço isso. A base é sempre o desenho, depois daí para a frente fazemos experiências. Custa-me saber como é que há pessoas que não têm sensibilidade para ver como devem traçar uma linha”, sublinha.

Desenhador projectista e projector da realidade

Com o curso industrial, tirado na Escola Industrial Afonso Domingues, em Lisboa, foi à tropa, assentou praça em Évora e depois acabou em Lisboa. “Não cheguei a estar um ano na tropa. Tinha entrado no dia 23 de Agosto e saí no dia dos meus anos. Cheguei a estar mobilizado para ir para Timor. A sorte que eu tive”, recorda.
“Quando saí da tropa arranjei trabalho como desenhador e fui trabalhar como empregado de escritório, na Sociedade Nacional de Cortiças, em Braço de Prata. Depois, saí dali para uma empresa metalúrgica, mas como empregado de escritório e, um dia estava à secretária e estava a fazer um boneco”, até que um engenheiro letão o convidou para ser desenhador.
Especializado em desenho industrial, reformou-se como desenhador projectista na Mague, em Alverca do Ribatejo, “uma das maiores empresas de metalurgia portuguesa, que hoje já não existe. A minha secção era de construção metálica”, esclarece.
Envolvido em várias obras de relevo, entre elas destaca a ponte da Praia, ao pé de Tancos, uma ponte rodoviária e, a ponte metálica de Portimão, na qual trabalhou mais directamente, nomeadamente no seu alargamento para duas vias.
Reformado por volta de 1975, ainda colaborou em part-time com um ex-colega numa loja de animais, na qual fazia, entre outras coisas, aquários. “Estive lá cerca de 12 anos”.

Uma arte que não se aprende

“Eu nunca tive um brinquedo de compra. Os brinquedos eram todos feitos por mim”, adianta de forma a entendermos melhor a origem do seu jeito para as artes.
Para aperfeiçoar algumas técnicas adianta que “compro livros sobre as técnicas, mas isto só não chega. Isto não se aprende”.
“Ultimamente tenho trabalhado em aguarela, porque é mais económico e dá outro gozo. A aguarela exige transparência e, esta só se consegue não mastigando. A boa aguarela avalia-se pela transparência”, ensina.
Mas, o que mais gostou de fazer foi a cópia de um quadro a óleo de uma parelha de cavalos a puxar uma carroça. “Não faço ideia quem pintou. Vi numa revista, gostei e pintei”.
No seu currículo de artista estão obras como caricaturas, paisagens, retratos, miniaturas de barcos, moinhos, pinturas a óleo, pastel e lápis. “Barro fiz pouco. Fiz uma experiência, só por curiosidade, em pintura cerâmica, pintei uma jarra e um prato, por graça”, arremata.
Assume que tem um gosto especial para fazer barcos, “eu gosto muito de fazer barcos pelo trabalho em si, procuro fazer o mais minucioso possível”.
A título de exemplo fez uma miniatura do Marie Jeanne, um barco de pesca francês, à escala de 1:50 e, costuma fazer moldes de barcos em madeira, para o clube náutico, de Alhandra, para serem recriados em bronze, afim de serem distribuídos como troféus no chamado Cruzeiro do Tejo.
“Fui a algumas exposições e cheguei a ter uma bolsa de estudo para as belas artes, mas não cheguei a frequentar, porque adoeci”, relembra dizendo-nos que ganhou o primeiro prémio do Concurso dos Distintivos do Centro de Pessoal da Mague, em 1964; o primeiro prémio, do Concurso Mague 63, Artesaria e Modelismo; e, o primeiro prémio do Concurso Mague 63, Pintura e Escultura.
Frisa que não faz com “intenção de vender”, só quando lhe pedem. Recentemente, desenhou, criou e pintou o estandarte da Confraria do Bucho, da qual é confrade.
Não dispensa dois blocos de papel no carro, pois a qualquer momento os seus olhos de artista podem ver mais uma obra de arte, que merece ser retratada para o papel. Ou, pode simplesmente sentir necessidade de “recarregar baterias”, concluiu.
No próximo mês vai fazer um ano que veio viver para o Lar da Santa Casa da Misericórdia de Arganil, no qual tem um reduto recheado de obras de arte, que fazem o mais comum dos mortais viajar no tempo por espaços meticulosamente concebidos, coloridos e criados pela mão habilidosa de um mestre na arte de retratar.
Sentimento, paixão, dom, habilidade, enfim… estes são apenas alguns de um sem número de adjectivos e estados de alma incapazes de explicar e, transmitir a humildade do artista e a realidade vista como ela é por José Antunes Cosme.
Cristina Correia Pinto
In A Comarca de Arganil

Comentários

Anónimo disse…
estimada cristina

e' para mim uma grande honra e satisfacao ver o trabalho do meu tio avo reconhecido nestas suas linhas! o "pardal velho" ( assim e' como eu o chamo)e' uma das pessoas mais importantes na minha vida e, agora que as voltas da vida me levaram a viver longe dele (no mexico!)a saudade aguenta-se um pouco melhor atraves de pedacos de arte como este seu trabalho!
muito obrigado!
Gentes da Beira disse…
Muito obrigada, pelas suas palavras.

É muito gratificante saber que este canto é uma espécie de ponto de encontro, que ajuda a colmatar algumas saudades.

Não agradeça, o mérito é do seu tio avô.

Cumprimentos,
Cristina Correia Pinto
Anónimo disse…
faCosme: o colega e o amigo...e condómino
Muitas foram as horas que passamos em conjunto .
Mais do que habilidoso nato era um artista com formação técnica transmitida nos "pontos de fuga" das suas aguarelas que, predominantemente, retratavam as paisagens das suas raízes, às quais regressou.

Oliveira Vieira
Um abraço forte.
Cosme: o artita, o amigo e...o codómino.

Não apenas um habilidoso nato mas, acima de tudo com uma técnico evidenciada nos seus " pontos de fuga" que as suas aguarelas tranmitia.Aguarelas que, predominantemete ,retratavam as paisagens da suas raizes ou o motivo água onde se movimentava um outro tema preferido,os barcos.
Falha de informação á entrevistadora: então, e a maquete do guindaste da nossa MAGUE, em parceria com o Abel Costa?
Um abraço forte e que a amizade continue a ser cultivada.
Gentes da Beira disse…
De facto, a vida é surpreendente... É sempre muito gratificante quando venho ao meu blog e reparo que estes testemunhos continuam a ser lidos, principalmente por quem conviveu com os Sábios Mestres que conheci.
Na realidade, há sempre alguém que tem o poder de nos fazer recordar e perceber que, podemos questionar tudo e mais alguma coisa, estar horas a falar com uma pessoa e... no fim há sempre tanto que ficou por dizer.

JM Oliveira Vieira obrigada pelas suas palavras e por partilhar comigo e com os leitores deste blog mais sobre este Sábio Mestre.
Anónimo disse…
Tenho o grato prazer de conhecer o sr. José Cosme, convivendo com ele diàriamente, ouvindo suas verídicas histórias. Acompanho-o sempre que me é possivel, tomamos o nosso "garoto" no "cantinho da má língua", trocamos ideias e experiências, enfim. Desde o início que o conheci, ligou-nos uma amizade sã. Através dele venho a conhecer mais amigos da parte dele e meus também. E curioso, temos o mesmo "bichinho" do minucioso da bricolage, embora eu não seja nato na matéria, vou fazendo e vivo com ele algumas ideias e experiências. Pena não sermos mais "jovens" para podermos dar à presente juventude algo de bom do dia a dia e vivermos mais experiências adaptando-as às realidades de hoje. Para o amigo José Cosme, o abraço amigo e sincero, que viva ainda muitos anos para podermos partilhar ainda mais das suas experiências artísticas, arbral

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