A confissão de um lutador

Aos 84 anos de idade, António Borges, mais conhecido por Salinha, “confessa” algumas passagens da sua vida, ao nosso jornal, num diálogo marcado pela força de vontade e guiado pela fé.
Natural de Vinhó, ficou sem pai aos três anos e meio. “Fui para a escola aos 8 anos, andei lá até aos 12. Andava eu na quarta classe e, a professora bateu-me sem eu ter culpa nenhuma, fez-me as pernas negras”, diz-nos desabafando que ficou sem vontade de estudar, mesmo sem ter perdido nenhum ano e prestes a fazer o exame da quarta classe.
Magoado com o sucedido, um dia, quando encontrou José Augusto Gaspar a construir a estrada de Vinhó para a Portela contou-lhe as suas “queixas”. Aconselhado pelo construtor a continuar os estudos, respondeu que estava “zangado”.
Entretanto, a oportunidade de ajudar na construção da estrada foi-lhe dada e, quando chegou a casa disse à mãe para onde ia trabalhar. “Ela ficou toda surpreendida, mas, também, coitada como a vida era ruim, ela queria que eu ganhasse algum dinheirito. Ali andei 1 ano e, fui para lá ganhar 3$00 por dia, de sol a sol”, recorda-nos, assim, o seu primeiro trabalho com 12 anos de idade.
“Passado um tempo passaram-me a 4$50”, lembra lamentando-se que a sua vida “foi sempre a trabalhar desde pequenino”. Mas, por volta dos 15 anos comecei “a ganhar tanto como os homens… 7$00, por dia”, recorda satisfeito pela recompensa.

“Felizmente tenho lutado sempre pela vida”

Trabalhou na resina, na Carriça, andou em poços e em minas, contudo não vivia feliz, pois sempre teve a ideia, “desde pequenino”, de ter alguma coisa sua. Descontente por o meio ser “pequeno”, em 39/40 foi para o Alentejo para umas obras, onde esteve um ano.
“De lá vim para a construção do estádio do Jamor para Lisboa, passou-me muita pedra pela mão, ali andei até Outubro, de 1940. Em 41 foi o ciclone e, comecei a trabalhar no pinhal, a rachar lenha, cortar pinheiros, serrar… aprendi qualquer coisa a trabalhar nisso”, relata.
Feliz por ter “lutado sempre pela vida”, salienta, também, que foi encarregado numa casa a tomar conta do pessoal, “a ganhar 750$00 por mês, naquele tempo. Hoje ganham mais do que isso numa hora”, ri-se com o facto de há 60/70 anos para cá a vida ter modificado tanto.
Regido pela vontade de chegar sempre mais além, começou a fazer umas obras. “A primeira casa que fiz o dono deu-me 32 contos e eu dei-lhe a chave. A vida era assim… Como isto dava pouco, um amigo disse-me que me arranjava para Lourenço Marques, mas fui para África do Sul”, onde esteve 15 meses. Posteriormente, conseguiu estabelecer lá residência fixando-se desde 1963 até 1984.
Ainda, foi juiz de Irmandade, passou pela Casa Regional, de Vinhó, para exercer os cargos de tesoureiro e vice-presidente.

“Passei martírios”

Em África, a saúde começou a debilitar-se e com “dores do diabo” teve de ser operado às costas. Em 84, veio para Portugal. A viver em Coimbra, até 94, “comecei a fazer cestos por brincadeira e saiu certo”. Em 95, fixou-se em Arganil continuando a sua arte de entrelaçar fitas.
Em 1997, voltou a andar mal das costas, acabando por ser operado em Coimbra, tendo ficado internado desde o dia 5 de Fevereiro até 14 de Agosto.
“Mais, tarde caí e parti uma perna. Vim meio restabelecido, tive uma pneumonia, tornei a ir para o hospital. No ano passado, comecei a andar com falta de ar” e, esteve internado, em Lisboa, no Hospital Egas Moniz, onde esteve um mês e um dia.
Orgulhoso por “ter aguentado” tudo o que tem passado, no dia 1 de Junho, vai fazer 12 anos que está no Lar da Santa Casa da Misericórdia, de Arganil. Instituição onde encontrou “muito boa gente”.

“Gostei sempre de não ser esperto de mais, mas também não gostei de ser dos mais estúpidos”

Entristecido por estar “fechado no quarto, praticamente inutilizado”, desabafa que tem “reagido a isto tudo” graças à “ajuda de boa gente e de Deus”.
Aos jovens aconselha a “lutarem pela vida, a serem bons uns com os outros, a serem educados e a trabalharem, porque ele (dinheiro) não cai de cima para baixo”.
Como exemplo de vida, confessa que “gostei sempre de não ser esperto de mais, mas também não gostei de ser dos mais estúpidos. Procurei estar sempre no meio que é onde está o equilíbrio”, conclui António Borges.
Cristina Correia Pinto
In A Comarca de Arganil

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