A Comarca de Arganil suspende publicação

“ De facto, quem é honesto, dificilmente consegue vencer as dificuldades. Entrámos em processo de insolvência pelos motivos explicados e já conhecidos. Todavia não conseguimos reunir as condições necessárias que permitam manter em publicação o jornal.
Aguardamos agora a decisão judicial que decorre daquele processo no Tribunal de Arganil, para depois se ver o que será possível fazer-se. Simultaneamente encerram também as instalações comerciais. Os últimos tempos têm sido difíceis de controlar e os problemas agravar-se-iam se não fossem, de imediato, estancados. Só com boas palavras, as quais agradecemos, não conseguimos vencer as “crises” que nos afectam. Desculpem-nos a sinceridade. Desde a impossibilidade de recurso ao crédito, aos cortes das comunicações telefónicas, de fax, de Internet, tudo nos tem sido feito e para cúmulo nunca ninguém apareceu como negligente ou culpado. Também os CTT nos recusaram o envio de uma emissão do jornal, porque, unilateralmente e sem qualquer aviso prévio, declinaram o contrato existente. E não havia pagamentos em atraso! Assim não é possível resistir. Infelizmente parece ser o País que temos...Aos assinantes, que já pagaram a assinatura para além do semestre em curso, as nossas desculpas e a esperança de poder ainda vir a compensá-los. Despedimo-nos até... esperamos que relativamente breve. O DIRECTOR", in A Comarca de Arganil, 10 Junho de 2009 http://www.acomarcadearganil.com/index.php?progoption=news&do=shownew&topic=8&newid=80



No passado dia 10 de Junho de 2009, saiu a última edição de A Comarca de Arganil, depois de 109 anos de publicação ininterrupta desde o dia 01 de Janeiro de 1901.
Escreveu-se e viveu-se mais de um século de estórias e de história, parte do qual vivi intensamente enquanto jornalista deste tão conceituado semanário regionalista.
Afastada há três anos, por motivos de ordem profissional, quando vi a publicação do último número, confesso que não fiquei surpreendida com a novidade. Era algo que já estava à espera face as dificuldades que se faziam sentir diariamente.
Sem menosprezar os restantes locais por onde passei, enquanto fiz parte deste órgão de Comunicação Social tive a oportunidade de conhecer gentes, movimentos, culturas, valores, normas e regras de comportamento que caracterizam a Beira-Serra. Entrevistei pessoas dos 7 ofícios, fiz reportagens por terras e lugares perdidos na Beira, desde Pedrógão Pequeno a Oliveira do Hospital, tive o primeiro contacto com o Regionalismo e vi bem de perto a importância que A Comarca de Arganil tem na nossa história.
Recordo-me do stress vivido por todos quando era o fecho do jornal, do som das rotativas e do cheiro das tintas … da alegria que sentia quando me davam o primeiro jornal impresso (fruto palpável do nosso esforço e dedicação), da responsabilidade e do orgulho que sentia quando saia um trabalho meu, principalmente quando era manchete.
Tenha a certeza que havia muita gente que lia este semanário desde a primeira à última página. Quando saia uma palavra mal escrita iam-nos logo perguntar se não sabíamos escrever. Contra factos, não havia argumentos, mas muita gente não imagina a atenção que despendíamos a ler e a rever as páginas antes de seguirem para impressão. Mas, era bom sinal quando tal acontecia, significava que os leitores estavam atentos e liam.
Lembro-me da responsabilidade e do orgulho que senti quando fiz uma visita guiada a um grupo da APPACDM (Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental) de Arganil à redacção e às oficinas do jornal, foi sem dúvida um giro de conhecimento recíproco. Em Agosto, de 2006, também recebemos uma visita diferente da habitual. A equipa do Som e a Fúria filmou as instalações do jornal. Filmagens essas que podem ser vistas no filme “Aquele Querido Mês de Agosto”, de Miguel Gomes.
Saudosismo à parte… Depois de ter estado na A Comarca de Arganil, fui convidada para trabalhar na concorrência, entenda-se no Jornal de Arganil, e fiquei responsável pela concepção do jornal O Tabuense.
Sem dúvida alguma que é com grande tristeza que encaro a realidade actual deste baluarte do Regionalismo português, que não era mais do que o reflexo das gentes da Beira-Serra.
Até breve...
Cristina Correia Pinto

Comentários

Horus disse…
É lamentável, mas a cultura é sempre a primeira a afundar!!!

Parabéns pelo teu (grande) contributo durante a passagem por aquele jornal, pois o que os jornais precisam é de mais jornalistas como tu...

Bjs
Gentes da Beira disse…
Horus

Tens toda a razão a cultura é sempre a primeira a afundar(-se ou a ser afundada?)

Obrigada pelas tuas palavras e pelo teu contributo. É pena que cada vez mais se ignore o peso que estes jornais têm no meio onde estão inseridos.

A Comarca era o ponto de encontro dos filhos da Beira-Serra.

Grande parte das suas notícias eram escritas por pessoas comuns, por gentes que usavam o jornal para fazer chegar as novidades da sua terra aos seus entes queridos perdidos na beira ou espalhados por esse mundo fora.

Muita gente certamente não percebia algumas secções do jornal como a "Sala de Visitas" que não era mais do que o espaço onde se divulgava quem chegava ou quem partia da Beira-Serra; ou a secção "A Vida da Nossa Gente" na qual alguns dos textos que deram origem a este blog serviram para dar a conhecer gentes que deram tanto à cultura e ao meio onde vivem, simplesmente por serem quem são.

Resta-nos fazer votos para que A Comarca regresse, bem como a sua escrita que visa a união e a proximidade.
Anónimo disse…
a comarca afunda se mas a tontura contınua, ha uma senhora de arganil chamada Arlete que faz poesia para a tontura rural:

Não tem olhos, em vez disso tem luzes que nunca se apagam. É um mundo onde não há maldade é belo com simplicidade. Queres que explique? Não irias entender. Não existem ainda palavras para descrever tanta doçura... não é um estado quente, frio e tão pouco, é estar permanentemente em confortável candura. Parece-te bem? Isso e o que dizes, nao sei se aguentarias a falta de raízes. Neste mundo onde insisto em ficar, o calor significa que os homens estão a amar! O frio serve para baixar a temperatura. Não é uma febre doentia, é! A febre de um novo dia. Todos os dias contam, apesar de não se sentir a presença do tempo. Tudo é puro, inocente, tudo é hoje, é presente. As pessoas que lá vivem dançam consigo proprias, estão tão loucas quanto eu! Todas se perdoam, todas se confortam mutuamente, se observam a crescer, todas beijam onde mais doer. Só eu tenho olhos em vez de luzes, mas ninguém repara. Sei que abem que é a esse mundo que pertenço. De vez em quando vêem-me a sair, mas aguardam o meu regresso. Não existem sentimentos arrebatadores não, é esse o preço a pagar. Uma existencial morna, sem sorte ou azar. Nada de novo se passa, mas em tudo encontramos uma nova graça. Amamos as coisas belas, não como a moda as dita cosas simples na sua essência. Estamos todos doidos, perdemos a consciência. (por Arlete Ferreira)

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