José Castanheira Nunes: um vulto da NOSSA história

“A notícia, fria e cortante como o gume de um cutelo, de que morreu José Castanheira Nunes, essa figura bondosa, compreensiva e dinâmica que toda a região conhecia e estimava, parece ainda um pesadelo, um sonho mau que se desmente quando acordamos”
in A Comarca de Arganil, de 18 de Setembro de 1956

Passado meio século do falecimento de José Castanheira Nunes ainda se sente no ar uma certa nostalgia face ao desaparecimento daquele que era “o nosso querido amigo e orientador de todas as horas”, como nos dizem os que com ele privaram de perto e como testemunham as nossas colecções que, apesar de amarelecidas pelo tempo, têm o dom de o reavivar em cada palavra, e de nos dar a conhecer, como referiu José de Oliveira e Costa, “o continuador de um grande mestre, fundador de A Comarca, Eugénio Moreira”.
A. Pedro Aleixo referiu, numa das edições enlutadas pela perda do Zé Castanheira Nunes, nome pelo qual também era conhecido, “se os génios, porque são génios, são imortais, os amigos, quando verdadeiros amigos, também o são”, resta-nos, pois, recordar o Homem que ingressou nesta casa “quando era ainda uma criança” marcada pela sede de aprender, e saciar o seu espírito tendo em mente o bem-estar do outro.
Filho de José Nunes Castanheira e de Maria da Costa era casado, em segundas núpcias, com Maria Emília Simões Castanheira Nunes, era pai de Marília, José Fernandes e Cidália Maria Simões Castanheira Nunes “e tio do nosso camarada de redacção João Castanheira Nunes”.
Natural de Arganil, o Tio Zé como era carinhosamente tratado, para além de co- -proprietário, administrador e editor do nosso jornal era sócio da firma Viúva Castanheira & C.ª, Lda., e secretário da Conferência Masculina de S. Vicente de Paulo.

“Um timoneiro seguro”

Os testemunhos que nos chegam relativamente ao nosso “timoneiro seguro” têm todos os mesmos valores e virtudes, mas “uma das características desse homem, rico de boas qualidades morais era propagandear as belezas naturais dos concelhos até onde se infiltrou este jornal, ao qual dedicou, não esforços esporádicos, mas, sim toda a sua vida”, conforme nos revela a Comarca de 18 de Setembro de 1956.
Foi nesta casa que “formou o seu espírito e foi colhendo os ensinamentos que haviam de fazer dele um jornalista primoroso, em que nem sempre se reparou, tão grande era a sua modéstia e simplicidade”.
Hoje sentimos que somos suspeitos para falarmos deste vulto da Nossa história, e parafraseando os nossos colegas “a biografia a fazer, nestes momentos de infinita tristeza, nada tem de complexa, de confusa, de ambígua”, tal era a naturalidade e o carácter do nosso saudoso colega.

“Infelizmente, todos os esforços da ciência para salvar a vida de José Castanheira Nunes resultaram inúteis”

É estranho falar do desaparecimento do nosso “guia que não errava o rumo, que sabia continuar a engrandecer uma obra que está bem patente” e que apanhou todos de surpresa, porque “nada fazia prever que a morte, com a sua sinistra aza, se aproximava do nosso inditoso amigo”.
A sua boa disposição e alegria de vida “era óptima”, mas uma súbita má disposição “tudo indicando uma paralisação de intestinos” foi fatal.
Ao malogrado José Castanheira Nunes “acorreu imediatamente, solícito, o sr. dr. Fernando Vale, que, imediatamente, tratou de atacar o mal que se mostrava renitente”.
E mesmo com a “constante vigilância do ilustre clínico, a doença persistia com carácter violento”, sendo necessário o apoio do cirurgião Viegas Pimentel que “acorreu ao chamamento do seu colega e, em face da gravidade da doença, José Castanheira Nunes foi transportado ao meio-dia de sexta-feira na ambulância dos Bombeiros Argus, à casa de Saúde Montes Claros, acompanhado pelo enfermeiro sr. Guilherme Rodrigues”. À espera do enfermo estava o prof Augusto Vaz Serra, “que tanto nesse dia, como no sábado, fez os mais persistentes esforços para salvar o doente”, conforme relata a Comarca de 18 de Setembro de 1956.

“O funeral, realizado no domingo, foi uma impressionante manifestação de pesar, das mais imponentes que se têm visto nesta vila”

Assim que surgiu a notícia da morte de José Castanheira Nunes “uma onda de tristeza invadiu a vila. Todos pranteavam o desaparecimento de uma figura que era, pela sua popularidade e bondosos sentimentos, a imagem viva das virtudes da gente boa desta terra, melhor dizendo, desta região”.
Às instalações de A Comarca chegaram inúmeras manifestações de pesar que foram publicadas e agradecidas nas edições enlutadas do nosso jornal, assim, “inúmeros telegramas, todos com palavras de conforto nesta hora dolorosa foram enviados à A Comarca de Arganil, ao seu editor e redactores e à família do nosso saudoso chefe” que deixou marcas profundas nas pessoas às quais chegavam as suas mensagens.
Foram vários os nossos colegas que nas suas edições deram a malograda notícia da morte do nosso camarada desde o «Notícias de Penacova», passando pelo «Mensageiro», de Leiria até ao «O Século».
O «Diário Ilustrado» escreveu que “pegamos na sua ficha e vemos que foi um dos homens bons da sua terra, à moda antiga (…). Vibrante, como todos os jornalistas, fiel ao seu jornal, batalhador de todas as causas que valorizam uma região e um povo, José Castanheira Nunes nunca deve ter sonhado com uma manifestação como a de há dias. E que pela voz das cem agremiações regionalistas de Arganil, Góis e Pampilhosa da Serra, falaram centenas de terras, dezenas de milhar de beirões reconhecidos ao jornalista da província”.
Mas, não há dúvidas que “a morte do nosso saudoso Editor causou a mais profunda consternação”, e como nos escreveu António Lopes da Costa “a sua falta constitue um facto muito grave e deixa uma pesada herança aos seus sucessores”.

“Um cicerone inigualável”

A nível profissional é de salientar que “as nossas maneiras de ver sobre os problemas do jornal coincidiam, convergiam para o mesmo ponto, para a mesma finalidade: Estruturar A Comarca de forma a que ela se impusesse sempre, sem um deslize, como valioso órgão da imprensa portuguesa”, explicou Luís Ferreira.
A nível pessoal destacam-se os momentos de “quando batíamos à sua porta, parece que esta se abria por si, e logo o sr. Castanheira, com aquela boa disposição que lhe era tão familiar, vinha ao nosso encontro, de braços abertos. Era sempre assim que recebia os amigos”, como relatou A. Pedro Aleixo.
José de Oliveira e Costa, também, deixou registado numa das edições da Comarca que o Zé Castanheira era “modesto, simples e acolhedor, tinha a alma temperada pelos princípios imutáveis da honestidade e da justiça. De uma só face e sempre sereno, tinha a noção plena das suas responsabilidades de jornalista e compreendia quanto vale a honra dos outros”.
Era sem dúvida “uma extraordinária figura do regionalismo beirão” que atribuiu a este jornal “a categoria de tri-semanário, respeitado e apreciado em todo o país, nas províncias ultramarinas, no Brasil”, relatou-nos Leonel J. Carvalho.

“É espantoso como o tempo corre veloz!”
in A Comarca de Arganil de 15 de Setembro de 1981

E entre muitos desafios e lições de vida que o nosso secular jornal nos tem dado, uma das mais acertadas ficou registada na edição de 15 de Setembro, de 1981, há precisamente 25 anos, quando se escreveu que “a presença de José Castanheira continua aqui, junto a nós, a dizer-nos com voz firme e decidida:
- Continuai. A COMARCA jamais poderá morrer! Tem de continuar a lutar pelo progresso e engrandecimento desta região das Beiras, ajudando a promover o seu bom povo, infelizmente ainda tão carecido”.
E não foi só em vida que o destino resolveu unir Eugénio Moreira e José Castanheira Nunes, estes dois grandes Homens do nosso jornal “continuam unidos, após a morte, no cemitério desta vila”.Resta-nos acrescentar que os que o conheceram jamais o esquecerão e os que não o conheceram para sempre o recordarão.
Cristina Correia Pinto
In A Comarca de Arganil

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