Mina

Foi na aldeia da Benfeita que encontrámos António Alberto Martins, mais conhecido por Mina. Este apelido porque “a minha mãe era Guilhermina e quando era pequenito chegavam-se ao pé de mim e perguntavam-me: «Como é que se chama a tua mãe?» e eu dizia «É Mina». E ficou Mina toda a vida”, esclarece.
Aos 79 anos de idade, António Alberto Martins, carteiro reformado, recorda-nos uma vida algo espinhosa e os caminhos que trilhou para entregar a correspondência, primeiro a pé, depois de bicicleta e por fim de mota para que tudo chegasse ao seu destino.
Depois de ter concluído a 4.ª classe, foi trabalhar como barbeiro, durante 12 anos, profissão que nunca deixou mesmo quando foi trabalhar como carteiro, pois “a minha arte como barbeiro nessas territas continuou, porque não havia barbeiro nenhum, para isso tinham de ir a Coja ou a Arganil para cortarem o cabelo. E eu cortava-lhes com uma bagatelazita e eles ficavam todos contentes”, confessa-nos o carteiro Mina que enquanto barbeiro “trabalhava um ano inteiro para receber um alqueire de milho de cada freguês”, recorda.

“A minha vida foi um bocado espinhosa”

Antes de entrar para o quadro, Mina trabalhou como CPS, carteiro que faz as folgas e as férias dos outros. Em 1968 foi para Ponte de Mucela “como carteiro já no quadro a ganhar 25 escudos”, relembra explicando que “a minha vida foi um bocado espinhosa em princípio, mas depois derivou um bocadinho, depois tive sorte”.
Chegado a Ponte Mucela, foi substituir outro carteiro que lhe disse “você tenha cuidado com esta gente, porque são assim, assim e assim… Onde é que eu pus isso? O meu coração caiu-me aos pés. Eu tão longe da minha terra vim para aqui sem conhecer nem caminhos, nem atalhos, nem o procedimento das pessoas”, o único pensamento que lhe veio foi “eu estou encravado da minha vida”.
Mas, passado um ano e quatro meses “quando eu de lá saí havia pessoas a chorarem. E porquê? Porque sabiam que estive sempre com eles. Tinha lá amigos por todos os cantos”, conta satisfeito.

“Amigo de fazer um jeito às pessoas”

O próximo giro foi Moura da Serra, onde trabalhou 32 anos e 10 meses e onde “passei as passas do Algarve, não pelas pessoas. Se eu hoje for às Secarias, Casal Valado, Monte Frio, Relva Velha ou aos Parrozelos, ainda há pessoas que me abraçam”, mas não é só aqui ou de vez em quando “é sempre, sempre em todo o lado tive bom acolhimento. Pois, porquê? Porque eu era amigo de fazer um jeito às pessoas”, revela.
Algumas vezes para facilitar a vida às pessoas o carteiro Mina fazia-lhes certos recados, “trazia a reformazita para muitas pessoas velhotas, pediam-me para ir ao sapateiro… lá trazia as botas e os sapatos para o sapateiro compor, ao outro dia levava para cima. As pessoas agradeciam com uma gorjetazita, 5 escudos, 10 escudos, naquele tempo”, até que “uma vez um sapateiro que vivia na Relva Velha queixou-se que eu não era só carteiro, também era sapateiro”. Queixa a que o serviço respondeu: “não temos nada com isso, porque ele cumpre o serviço segundo o horário”, lembra de consciência tranquila.
“Eu gostava sempre de cumprir com o meu dever”, declara revoltado pelo facto de “uma altura, coisas do serviço, coisas até mal feitas, trocaram-me umas terras, deram-me outras e, eu ultimamente passei 1 ano e 9 meses a ir levar uma mala ao Piódão, passei martírios… nem o Diabo”, acrescentando que foi responsável para a correspondência chegar lá a partir de Vide, “porque o acesso de lá daquele lado era melhor que daqui”.
Recorda ainda que “fazia aqui a Dreia e a Deflores, depois ia cerca de 30 quilómetros daqui ao Piódão de mota, muitos dias não chegava lá que a neve não me deixava passar e então eu pedi para me tirarem o Piódão”, mas descontente com a situação, porque lhe tinham tirado o Monte Frio, as Casarias e o Valado “para eu poder ir fazer esse serviço ao Piódão. Trazia a correspondência que lá houvesse do mesmo dia, ou da véspera e depois vinha fazer o Tojo, Relva Velha e os Parrozelos, mais nada. Era o meu serviço”, explica.
A solução que encontrou foi queixar-se à secretaria “fui lá chamado. Fui chamado à Junta e então pedi ao médico para me auxiliar. Lá fiz um mapa, daqui lá, ao médico que me atendeu, e o médico só pôs assim: «apto ao serviço dos CTT’s, não sendo aconselhável perante a sua saúde andar muito de mota, percursos longos e maus caminhos.» Então, deitou-os abaixo e eles tiveram que me dar novamente as três terras que me tinham tirado que era o Monte Frio, o Valado e as Casarias”, voltando desta forma ao regime antigo.

“Felizmente no serviço dos correios deixei só boas memórias, deixei muitos amigos e deixei perante os serviços um bom acolhimento”

Determinado “no dia em que fiz 61 anos pus os papéis para a reforma em cima do balcão e depois fui chamado à Junta em Janeiro no dia 17 de Março”, salienta explicando que já lhe custava muito andar de mota.
Nesse mesmo mês, numa sexta-feira, “ «levei quase um pontapé», porque cheguei à estação e o telefone a tocar. Fui atender: «Quem fala?»; - «A dona Cândida?»; «A dona Cândida está em Coja.»; - «Quem é que está ao telefone?»; «É o carteiro!»; - «Ah! É o sr. António?»; «É sim.»; - «Ora, é mesmo consigo que quero falar. A partir de hoje já não volta mais ao serviço.» E eu disse: «Oh pá, foi um pontapé que vocês me deram!» ”, e conta que considerou “um benefício em ficar reformado” e “um pontapé por ser precisamente na hora exacta”, clarifica.
Hoje com 79 anos diz “que tudo passou, tudo acabou” e é com muita honra e alegria que o nosso entrevistado nos diz que “felizmente no serviço dos correios deixei só boas memórias, deixei muitos amigos e deixei perante os serviços um bom acolhimento”, conclui.
Cristina Correia Pinto
In A Comarca de Arganil

Comentários

Anónimo disse…
Obrigada, Cristina, por esta homenagem.
Cresci em Parrozelos, é a minha terra, como sempre digo, pois não tenho outra pertença na vida além do mar, e conheci o Sr. António.
Era na verdade uma ocasião alegre, quando chegava com o correio. Veja-se, eu nem idade para escrever tinha, mas me lembro do seu sorriso e educação, quando à porta da minha Avó Maria da Conceição, o Sr. António parava um pouco dando conta das últimas notícias que "lá por baixo" se passavam. Não trazia só cartas, reformas e pequenos favores, trazia também aquela humildade e amabilidade dos que servem aos que se sabem servidores... Um homem de coração generoso, daqueles que transformava o mundo à sua volta.
Sentimos a sua falta quando se reformou, mesmo os que foram estudar fora e só o viam nas férias da escola, e é verdade sim senhora, que não importa onde e quando volte a ver o Sr. António, irei ao seu encontro com um sorriso e esse abraço pronto, com saudades de todos quantos o lembram, alguns já não entre nós.
Nesta noite em que me encontro longe, meio ao Mar do Norte, quero agradacer ao Sr. António, pela sua dedicação de tantos anos, e à Cristina, por me ter aquecido o coração.
Muito Obrigada.
Maria Amália Canaveira
Gentes da Beira disse…
Olá Maria Canaveira

Não me agradeça, afinal sou uma mera interlocutora.

Fico contente por, no meio do Mar do Norte, ter tropeçado neste texto e, o mesmo lhe ter aquecido o coração com as palavras sábias do carteiro Mina.

Por acaso, o que mais recordo deste ser é o seu sorriso, a forma poderosa com que nos guia num giro poderosamente construído por entre retalhos da sua vida.

É muito agradável sentir que enquanto esteve neste espaço regressou a uma espécie de colo materno e, é sem dúvida gratificante o testemunho que deixou.

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