António Lopes da Costa: “o homem que ensinou gerações”

“Absolutamente conformado com o seu estado e perfeitamente consciente da sua gravidade, António Lopes da Costa aceitou a morte resignadamente. Momentos antes, sentado na sua cadeira, ainda assistira ao almoço de toda a família, reunida nesta vila. Mas eram cerca de 15 horas e meia, o nosso querido amigo exalava, repentinamente o último suspiro”.
in A Comarca de Arganil, de 23 de Abril de 1957

Aos 81 anos de idade, António Lopes da Costa faleceu “na sua residência, nesta vila”. Um acontecimento que ainda hoje constitui uma perda humana irreparável que, para além de ter causado “geral consternação”, foi um “golpe rude, porquanto perdemos um grande amigo e uma figura que fazia parte da estrutura moral desta casa”, sublinhava Luís Ferreira, na edição de A Comarca de Arganil, de 25 de Abril de 1957.
Hoje, passados que são 50 anos do seu falecimento, curvamo-nos respeitosamente perante a sua alma, “é que a morte de tão venerando amigo” fez-nos “perder não só o director, que o soube ser com os seus conselhos, sempre oportunos e criteriosos, como o amigo dedicado que a estas colunas deu o brilho da sua colaboração desde que A COMARCA se fundou”, escreviam os nossos colegas na edição enlutada de A Comarca de Arganil, de 23 de Abril de 1957.
A ocupar o cargo de director, deste nosso bissemanário, substituindo, deste modo, Eugénio Moreira, foi “com aprumo e elegância mental e moral” que “aceitou essa incumbência, mais se solidificando ainda, se tal era possível, os elos que o ligavam à A COMARCA DE ARGANIL”. Fazendo com que este jornal fosse “uma das suas mais gratas preocupações até ao último dia da sua existência”, destacavam os nossos repórteres.

Resistente à adversidade

Tido como um homem de bem, a 25 de Abril relatava-se que, Lopes da Costa era “católico e monárquico desde a primeira fibra da sua alma à derradeira célula do seu corpo, o que nunca o impediu de respeitar outros credos religiosos ou políticos, sempre que bem intencionados”.
Destaca-se também que foi na sua fé que encontrou “a resistência necessária para suportar a adversidade que perseguiu o seu lar cristão. A morte de quatro filhos – o seu enlevo – amargou-o por forma implacável, deixando no seu coração uma dor que jamais se apagou”, lembrava a edição de 23 de Abril de 1957 recordando que “o nosso saudoso editor passava os dias sentado numa cadeira, lendo e escrevendo ainda a seus filhos ausentes”.
Casado com Maria da Luz Fernandes Costa; era pai de António Lopes Fernandes Costa, notário na Lourinhã; Maria Amélia Fernandes Costa Ferreira de Almeida, professora em Santa Comba Dão; e de Aida Lopes Fernandes Costa, desta vila; sogro de Ana Filomena Brás Borges Leitão Fernandes Costa e de Francisco José Paiva Ferreira de Almeida, tesoureiro da Fazenda Pública em Santa Comba Dão; cunhado de Albano Pires Dias Nogueira e António Fernandes Júnior, comerciantes nesta vila, e de Olinda Fernandes.
Assistido pelo dr. Fernando Valle, Lopes da Costa esteve sempre rodeado dos carinhos e “dedicação sem limites”, de sua esposa e filha, que “tudo lhe fizeram para lhe aliviar o sofrimento e prolongar a vida”. Contudo, o padre Adelino Dias Nogueira, afirmou, como se pode ler a 25 de Abril de 1957, que “a crença foi efectivamente a única força que o amparou na luta contra os vendavais da sorte”.

Comendador e pedagogo das longas e incertas etapas da vida

Na qualidade de professor primário, segundo João de Castro Nunes, “fez da sua longa e atribulada existência um verdadeiro apostolado, foi o seu conhecido amor pelo ensino, (…) que de lés a lés lhe encheu a vida de luz e de calor, (…) amor que acabou por fazer dele um grande, um extraordinário pedagogo”.
O que nos leva a concluir que a sua obra “foi constante e profícua, passando pelo seu apostolado centenas de crianças, que soube instruir e educar, preparando-as para as longas e incertas etapas da vida”, conforme escreviam os nossos repórteres, há cinquenta anos atrás.
Consciente dos seus feitos, Arminda Sanches, enalteceu a 27 de Abril de 1957, que Lopes da Costa, “travou uma verdadeira campanha de educação moral e cívica, para dar a tantos rapazes que passaram pela sua escola, formação de carácter que os transformasse noutros tantos valores sociais”.
Para atestar, ainda mais, tais testemunhos, noticiamos que António Lopes da Costa foi reconhecido pelo Ministério da Educação Nacional, com o grau de comendador na Ordem da Instrução Pública, “grau só raras vezes concedido a professores primários”.

“Apóstolo da verdade”

Actualmente, ao olharmos para trás e confrontados com os factos ousamos repetir, em uníssono, as palavras que Luís Ferreira teceu à sua pessoa, porque este foi um “homem que ensinou gerações, que preparou para a vida milhares de crianças, fazendo da sua profissão um sublime sacerdócio, continuou como jornalista e director de A Comarca, a ser professor. Os seus artigos, normalmente, focavam problemas de instrução e havia neles conceitos que eram fruto da experiência e de análise objectiva”.
“Apóstolo da verdade”, nos seus escritos abordava assuntos de instrução pública, com especial atenção para os “problemas do homem”, através dos quais procurava transmitir ensinamentos que transpareciam uma “cuidada observação”. Detentor de um “grande «saber de experiência feito», traçou programas, sugeriu ideias, emendou erros, deu guerra a preconceitos”, relembrava João de Castro Nunes.
Baseado “na lógica. As questões regionalistas interessavam-no em absoluto e pode dizer-se, com verdade, que procurou contribuir para a sua solução quando lhe era dado fazê-lo. O abastecimento de água a esta vila teve no saudoso amigo um defensor (…). Pugnou também pelo malfadado caminho de ferro de Arganil, e, de uma maneira geral, por tudo o que valorizasse esta vila”, perpetua A Comarca de Arganil, de 23 de Abril de 1957.

“Foi simplesmente um homem de bem”

Lopes da Costa deixou entre os seus pares “uma lacuna difícil de preencher”. Para o padre Adelino Dias Nogueira, este apóstolo era um “amigo leal”, de “carácter íntegro, bom cidadão na verdadeira acepção da palavra (…). Era uma figura de Arganil, um pergaminho de que justificadamente nos orgulhávamos”.
Na vila, era visto todos os dias e, o padre José Vicente, não tinha dúvidas que “poderíamos apontá-lo: eis um homem bom. Ou simplesmente: eis um homem”, porque ele “era uma luz. Uma luz que vai fazer muita falta em Arganil”, registava a 25 de Abril de 1957.
O seu corpo foi a sepultar no dia 20 de Abril, de 1957, pelas 19 horas, para o cemitério municipal desta vila, constituindo grande manifestação de pesar. “Por expressa vontade do ilustre finado, a urna contendo os seus restos mortais, foi modesta e simples”, relatavam os nossos repórteres. Em sinal de respeito a bandeira do município esteve a meia “adriça” e, foram inúmeros os telegramas, cartas e cartões de condolências que chegaram à nossa redacção, emitidos pelas mais variadas pessoas e entidades.
João de Castro Nunes, acrescentou ao relato de 23 de Abril, que António Lopes da Costa “honrou-nos, porque a sua espinha dorsal nunca se curvou nem a prepotências de fortuna nem a exigências de partido; honrou-nos, porque apenas rendeu preito, como ele mesmo costumava repetir, às excelências da virtude e às luzes do saber; honrou-nos, porque jamais se postergou a mesquinhos interesses, nem pactuou com baixezas de qualquer espécie; honrou-nos, porque na integridade do seu carácter, quis morrer como viveu, enterrando-se descalço; honrou-nos, porque, no mais alto sentido que nesta expressão se encerra, foi simplesmente um homem de bem”.
Perante tais palavras, resta-nos dizer que estas servem simplesmente para continuar a perpetuar um dos homens de carácter íntegro, que por esta casa passou e ficou. Escusado será dizer que os seus feitos continuam bem presentes nos nossos corações e, de certeza que vão entrar nos das gerações vindouras quando conhecerem os testemunhos existentes.
Cristina Correia Pinto
In A Comarca de Arganil

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