Está lá? Está bem?

“Estou bem”, responde o sr. Belmiro do outro lado da linha.
Sabe quem fala?
De facto, não foi fácil reconhecer, dado que só estivemos uma vez juntos e só foi efetuado hoje o primeiro telefonema. Depois de feito o reconhecimento, o sr Belmiro questionou acerca da nossa visita. Explicámos que qualquer dia iríamos visitá-lo novamente, mas que nos próximos tempos de quinze em quinze dias lhe iríamos telefonar.
Rapidamente questionou. “Sabe o que estava a fazer?”
Estava a ler? Questionámos contentes pelo desafio e pela forma como o primeiro telefonema estava a ser conduzido.
“Não! Estava a rezar pelos meus pais. Tenho o terço ao lado da cama e estava a rezar por alma deles”, explicou.
Ciente de como o encontro com Deus é importante para com os crentes, retorquimos se queria que lhe ligassemos mais tarde. Para nosso espanto, o sr. Belmiro disse que rezava mais tarde.
Começou a contar que a sua doença era de família, já o pai, os irmãos Manuel e Francisco padeciam do mesmo. “Na província matava muitos porcos”, desvenda tentando justificar desta forma a sua maleita.
Depois de vários pormenores e referências históricas, conta que o seu pai era Belmiro Santos. Conheceu a avó Rita Jesus. “Era a minha avó paterna. A única avó que conheci. Faleceu a 02 de novembro de 1939, foi o primeiro funeral que saiu de casa”, recorda.
“Foi-se deitar, estava cansada, a minha mãe foi fazer um café para lhe levar, quando chegou ao quarto, já tinha morrido”, acrescenta.
“Nunca vi na minha vida uma sogra e uma nora darem-se tão bem”, frisa para melhor percebermos a relação das duas mulheres que lhe marcaram a vida.
Salta a conversa e fala de estórias que compõem a história da sua família. Conta-nos que os pais o tratavam por “Mirito” e por “Serôdio”. “Mas sabe? Nunca tinha visto o meu pai nu. Aos 6 anos fui a banhos com ele ao rio Dão, com a Madalena e os dois irmãos”, lembra-se. “A Madalena casou lá, em Mangualde”, remata.
“Dizem que um homem não chora, mas chorei muito pela morte do meu pai. Fiquei órfão aos 9 anos de idade”, diz-nos entristecido.
Explica que viveu no tempo da II Grande Guerra Mundial. “Estava em Coimbra quando a guerra acabou”, desvenda levando-nos a viajar através do tempo pela vida de grandes figuras da história da humanidade. Fala de Winston Churchill, da Rainha Isabel II, de Hitler, de Putin, da Amália Rodrigues, de Cavaco Silva, entre outros.
Deu uma lição de apicultura, explicou que os lagartos não comem mel e partilhou connosco alguns dos métodos para produzir 300 litros de vinho. “Sabe uma coisa? Não bebo bebidas alcoólicas, só água”, frisou.
Hoje, ficámos a saber que o Sr. Belmiro fez a tropa em Viseu e que aos 21 anos veio para Lisboa, “ainda não havia metro, havia elétricos”.
“A minha mãe só veio uma vez a Lisboa. Fomos ao cabeleireiro da Amália Rodrigues. Disseram à minha mãe que tinha o cabelo mais bonito do que um cabeleireiro, pois era branco e com tons de azul claro. Olhe… igual ao meu”, realça.
Guiando-nos novamente ao passado fala do irmão Ramiro. “Batia-me, tinha inveja de mim. Era mais velho do que eu 3 anos. Os mais novos não se podiam defender, nem bater aos mais velhos”, justifica antes que lhe façamos alguma questão.
Quase na reta final do nosso telefonema, o telefone fica com ruído. Questionamos se está a tocar no fio do telefone. Refere que é o sobrinho que lhe está a ligar.
“Só mais uma coisa para terminar dou-lhe um beijinho na testa em sinal de respeito e sabe que deve ser a mulher a despedir-se primeiro do homem?”, questiona alertando-nos indiretamente para a gafe que cometemos.
“A Merkel, não sei se já reparou, mas ela nunca dá primeiro a mão a um homem”, exemplifica acrescentando que tem alguma simpatia pela chanceler alemã.
Estava mesmo no fim o nosso telefonema, despedimo-nos com um “obrigada” e do outro lado o sr. Belmiro, qual avô dedicado a ensinar aos seus netos, tudo o que sabe, na minha terra diz-se “bem-haja”, eu não fui “obrigado”.
Tem razão, foi um enorme prazer ter partilhado 45 minutos do nosso dia com uma pessoa tão rica e tão humilde.

Comentários

Sami disse…
Interessante o que os idosos nos podem ensinar. Gostei de ler.
Celeste Cortez disse…
Olá Cristina,
Achei o artigo muito interessante. A vida é uma aprendizagem constante. Bj.
Gentes da Beira disse…
Sami,
Obrigada pela sua visita.

Olá Celeste,
Fico contente por ter gostado do artigo. Um beijinho

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