Morreu a filha do mar que voava como as gaivotas.

“Apareceu morta no rio Mondego uma mulher, com cerca de 50 anos, desconfiam que é a Maria José Costa. Aquela senhora que entrevistaste…”

Perante tais palavras reagi como grande parte da turba quando perde alguém, e fiquei até hoje sem conseguir pronunciar uma única palavra acerca deste desaparecimento. Hoje, senti uma enorme vontade de escrever, talvez para a perpetuar ainda mais, talvez para deixar neste quadro uma pincelada daquela que foi a mulher que entrevistei e com a qual criei um laço forte de amizade.
Porém, por mais palavras que busque, não consigo transmitir nada, não sei ao certo o que sinto, não consigo expressar-me… só me lembro da sua voz doce e meiga, do seu olhar carinhoso e da forma formidável com que lutava contra a auto mutilação. “É aqui nesta casa de banho que corto os pulsos, até já pus a foto da minha neta para ver se tenho força e não volto a cortar-me, mas nem assim”, contou-me naquela tarde em que vi que afinal os versos de Florbela Espanca poetizados em Ser Poeta, quando querem são o oposto de tudo o que um poeta merece como Fado.
Passámos a tarde juntas mergulhadas em páginas de poesia, rimos como se nos conhecêssemos desde sempre, sentimos cada verso que líamos como uma extensão de nós, em busca de força, de uma luz para que Maria José Costa conseguisse deixar de dizer que era “impossível viver neste mundo em que nós estamos. O mundo em que nós vivemos é muito complicado, muito cheio de orgulho, muito mal tratado. O Homem é muito senhor de si. É o meu eu e depois tu. As portas fecham-se umas atrás das outras”.
Portas que tentei ajudá-la a abrir, até por que na sua presença senti o mesmo que ela sentiu quando viu um ser algures à beira mar:
“…achei-o tão parecido comigo, carenteTriste e só como euNaquelas lágrimas, eu vi as minhas lágrimas,naquele desespero, eu vi meu desespero…”
Sim! Todos nós temos fases menos boas da vida, mas há aqueles que sucumbem mais facilmente e precisam não de espaço para voar, mas sim que lhes admirem as asas e os deixem grasnar como as gaivotas, sentir a espuma do mar, o sabor do sal a tocar no corpo… Maria José era assim. Desejava simplesmente estar ocupada, de partilhar com o próximo a sua arte, o seu calor, ansiava encontrar a aguarela certa para colorir a sua vida.
Não sei o que existe para além desta vida, mas espero que esta filha do mar tenha conseguido “ser alguém/Alguém bastante diferente…!” e que seja sempre retratada com a aguarela do Amor , da Liberdade e da Paz.

Cristina Correia Pinto

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Nuno Mata lança livro sobre “Alberto Martins de Carvalho – o Homem, o Autor, a Biblioteca”

Procópio Gageiro um canteiro artesão... “com trabalhos espalhados pelo mundo inteiro”

Conscientes e Psicopatas