A morte depois do prazer

As ambulâncias circulam lá fora na mesma azáfama de sempre. Álvaro Pedroso não faz caso. Continua em casa a preparar-se para sair para mais um jantar de negócios, no qual as conversas vão impor as mesmas perguntas de sempre: “Como fazer face à crise? Como estão a avançar os projectos em curso? Quando é que a administração vai aprovar a Nota Interna para podermos avançar com o raio do projecto? Por que é que se continuam a meter em campo jogadores que não têm rendimento? Por que é que até o futebol está em crise?” … Diz em voz alta enquanto dá uma vista de olhos no matutino que mal teve tempo para ler.
Sete minutos depois, é despertado para a realidade com o vibrar do telemóvel, colocado sobre a cómoda. Do outro lado Jaime Rosado fala em voz ofegante e imperceptível.
“Tou. O quê? Não posso crer. Tem calma. Onde tás? Jaime?! Não é possível!”, afirma nervoso Álvaro e sai disparado de casa.

“Hoje, íamos ter uma noite especial”

Na rua o INEM está parado no meio da estrada a impedir o trânsito de circular. Álvaro corre à procura de um sinal de Jaime, mas é em vão. Depressa surge outra viatura do INEM em sentido contrário. Atónito, não consegue que o pensamento acompanhe os seus passos numa marcha descompassada atrás dos paramédicos.
Jaime sai do edifício onde as equipas de socorro entraram.
“Que se passa, meu?”, pergunta Álvaro.
“Ainda não percebi bem. Vai andando para o restaurante e não comentes nada com o pessoal”, diz Jaime.
“Estás completamente louco. O restaurante é aqui na rua, o pessoal já se apercebeu do que está a acontecer. Explica-te”, argumenta Álvaro.
“O chefe está lá dentro, viemos aqui tratar de umas coisas para hoje à noite e ele sentiu-se mal”, refere Jaime em voz baixa.
“Afinal, sabes demais sobre isto. Costumam vir aqui muitas vezes?”, pergunta Álvaro.
“Não. Não sejas parvo. O tipo está lá dentro com um ataque cardíaco e tu estás com essas cenas. Ele não é assim tão mau como o pintas. Hoje, íamos ter uma noite especial. A reunião de negócios ia ser bem original”, avança Jaime.

“Morreu feliz”

Uma hora e vinte e seis minutos depois de Álvaro ter saído de casa. As equipas de socorro saem do edifício com um semblante carregado pela perda. No local já se encontra a polícia e os restantes elementos convocados para o jantar – Pedro Figueira, José Nunes e Nelson Marques ao lado de Jaime e de Álvaro.
“Foi preciso chegar ao fim para percebermos que ele não era assim tão careta”, comenta Pedro Figueira com os restantes.
“Morreu feliz”, disse Jaime.

“O tema em cima da mesa seria: Mulheres…”

Álvaro sai de casa às seis e quarenta e três minutos da manhã. O trânsito continua a circular à semelhança de sempre. No café, o vibrar do telemóvel, em cima da mesa, afasta-o da leitura. Do outro lado Jaime pergunta-lhe se já viu os jornais.
“Homem de 60 anos morre de ataque cardíaco a ver um filme pornográfico, numa Sex Shop… Ao que tudo indica o empresário estava a fazer tempo para um jantar de negócios com os seus empregados… Desta vez, o tema em cima da mesa seria: Mulheres… Ramalho Santos tinha tudo planeado para oferecer um jantar de Natal especial aos seus companheiros de equipa… “, leu em voz alta e desligou o telemóvel.

Cristina Correia Pinto

Comentários

Fractal SMOG disse…
A-DO-REI!!!!

A tua imaginação está ao rubro, colega de pool!!

Linda, keep up the good work: do not let the news die!!!

Segue o meu pseudónimo e darás com os meus blogs!!

Beijos,Sara
Gentes da Beira disse…
Fractal SMOG

Há uns tempos atrás dava tudo para estar a trabalhar no jornalismo, como não é possível e o bichinho 'jornalóide' permanece vivo e indomável com constantes recusas de ir para o armário, sou obrigada a ter estes rasgos.

Este foi baseado numa história verídica, um indíviduo de cerca de 60 anos de idade, morreu de ataque cardíaco na Audácia, uma Sex shop, lisboeta. Depois... é o que se pode ler.

Obrigada por partilhares comigo os teus blogs.

Beijinhos

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