Profissão: faraós dos tempos modernos

Sara Raimundo. 24 anos. Uma licenciatura em Marketing e Publicidade. Uma Pós-graduação em Relações Públicas e mais umas quantas acções de formação e workshops. A vontade é comunicar, persuadir e, claro está, ganhar dinheiro.

À semelhança da maioria da população deseja ter um emprego. Os motivos são iguais aos seus, aos meus e aos nossos.

Todos os dias envia o curriculum vitae para várias empresas e responde a quase todos os anúncios, mesmo fora das áreas de investimento académico.

Por ironia do destino, Sara respondeu a um anúncio que precisavam de alguém que gostasse de comunicar, fosse persuasivo e dinâmico.

“Não hesitei, até porque a remuneração era apelativa, para além de o meu perfil se enquadrar ao posto de trabalho em causa”, conta.

Chamada para a entrevista. “Senti-me mesmo confiante que ia ficar com o lugar, achei aquilo tudo adequado a mim. Estavam várias pessoas para serem entrevistadas, mas acreditei que eu tinha potencial para aquilo. A pessoa que me entrevistou passou o tempo a falar dela e eu pouco disse, mas fui assertiva “, recorda.

A resposta ia ser dada ao final do dia, às 18 horas. De regresso a casa, Sara recebeu outro telefonema para saber qual a disponibilidade para uma entrevista, nesse mesmo dia, às 15 horas. Não percebeu muito bem para o que era, uma vez que ia no autocarro. “Enviei CV para tanto lado, só fixei o nome da rua e o número e, aceitei”, acrescenta.

Confiante, à hora combinada lá estava no escritório para se vender, como uma boa profissional de Marketing. O entrevistador, em tudo muito semelhante à pessoa que a entrevistou de manhã, fez três perguntas, tirou umas notas e disse que até ao final do dia, às 18 horas, ligava com um sim ou não.

“Senti que ia ser chamada para os dois lugares. Torci para que me ligasse o segundo, por ser mais perto e por ter gostado mais das condições do escritório”, revela sem saber ao certo quais eram as condições de ambos os postos de trabalho.

Chegadas as 18 horas. “Ligou-me quem eu queria a dizer sim. Melhor era impossível. Estava tudo a correr como eu queria. Passados 5 minutos ligam-me do outro lado a dizer que fui seleccionada e, com um sorriso de orelha a orelha disse que afinal já não estava interessada”, recorda feliz por ter tido o luxo, nos dias que correm, de dizer não a uma proposta tentadora.

Ao outro dia, às 8 horas, Sara acordou cheia de energia para passar à fase seguinte da selecção. “Em ambas as entrevistas tinham-me referido que tinha de ter uma formação e se gostassem de mim que passava a uma terceira fase. Nesse dia, fui ao escritório, mais uma vez super confiante. A pessoa que me entrevistou, depois de me ter feito esperar uns minutos, chamou-me e apresentou-me ao meu formador. – Sara vai passar o dia com o Rúben e ao final do dia, vai fazer uma prova escrita, para concluirmos o seu processo de avaliação e ver se tem mesmo potencial para passar à próxima fase. Explicou-me o Júlio Andrade”, frisa.

Ao contrário do imaginado, Sara saiu para a rua com Rúben e aos poucos foi querendo saber mais sobre o posto de trabalho em causa. “Foi uma tarefa difícil ao início. O Rúben estava muito à vontade e agiu como se me conhecesse há muito tempo, queria-me conhecer melhor e tinha muita necessidade de se dar a conhecer”, enaltece.

Quando se apercebeu Sara estava a entrar num mundo que anda “a toque de sino” e que é gerido por uma espécie de Lei da Atracção, que se baseia na Lei das Médias, isto é, “com quantas mais pessoas eu falar, mais sucesso terei”.

“Eu que sempre contestei quem anda a tentar fazer contratos de produtos e serviços porta-a-porta, estava a aprender a fazê-lo e tinha até ao final do dia, para decorar as 5 etapas da venda, para me tornar numa profissional”, diz-nos.

Contudo, o emprego que parecia ter ordenado fixo e todas aquelas garantias que qualquer pessoa que procura estabilidade deseja, aos poucos se desvaneciam à medida que Sara questionava Rúben.

“- Temos um mínimo de contratos para fazer? – Sim temos 5. hoje vais aprender a trabalhar para ganhares 15 €, amanhã para 25€ e assim sucessivamente, até teres a tua própria equipa a trabalhar para ti. Tu é que fazes o teu ordenado e os gastos são por tua conta, podes perder num mês, mas rápido recuperas.

- E porque é que não se lêem as letras pequeninas que estão na parte de traz do contrato? Há tanta gente a queixar-se que é enganada! – Sara por que é que fazes perguntas difíceis que mais ninguém se lembra de fazer?

- Como é que lidas se alguém te acusa de não teres sido sincero? – isso não acontece, mas ainda bem que perguntas estás-me a ajudar a pensar em algo que nunca me tinha ocorrido”.

Para Sara era tudo surreal, o dia foi passado a calcorrear ruas, num entra e sai de lojas a vender um produto, recorrendo ao mesmo discurso mecânico, à mesma táctica e a ouvir as mesmas respostas “isto está tão mau, ninguém anda para dar nada”, “estou com pressa”.

“para se ter uma ideia, chegávamos e apresentávamo-nos, depois fazíamos uma história curta do produto, abríamos a mala e mostrávamos o produto, fechávamos o processo de negociação depois de obtermos um sim ou um não e, questionávamos sempre se a pessoa conhecia mais alguém. Isto, no fundo, é a técnica da multiplicação, vai-se tentando construir uma pirâmide, quanto mais melhor, mais rápido se chega ao topo”, explica.

Um topo ao qual Sara não quis chegar. Antes do dia terminar resolveu desistir. “Eu vi logo que aquilo não era o meu género. Mas, tinha de perceber melhor e fui aguentando, até que disse que não queria. O Rúben não gostou muito, é normal, por que ele estava-me a tentar convencer para eu ficar, pois ajudá-lo-ia a subir e seria um ciclo. Quanto mais pessoas ele arranjar, mais facilmente chega ao topo da pirâmide”, avança.

Uma nova forma de vida, que para muitos é estranha. Uma experiência de vida que permitiu a Sara Raimundo ver a facilidade com que as pessoas são enganadas, os clientes que assinaram contrato estavam ocupados com outras actividades, como era o caso de alguns comerciantes, e nem prestavam atenção às entrelinhas, ou melhor, às letras miudinhas por trás de um contrato em tudo apelativo.

Sara continua desempregada mas com a certeza de que quer “jogar limpo, apesar de ser difícil nos dias que correm. Devemos ter uma atitude positiva, não influenciar negativamente os outros, ter confiança e dignidade”, conclui.

Cristina Correia Pinto

28 de Agosto de 2008

Comentários

Anónimo disse…
Apesar de nao ter gostado... e indirectamente nos ter chamado enganadores....ja usa um discurso um bocadinho difrente da população portuguesa em geral, ao menos ja fala de atitude positiva...
Não conheço o Ruben...sou um gerente de um escritório do mesmo grupo...mas sei de certeza k ele é dakelas pessoas k nao espera k o joio da vida lhe caia nas mãos...
Pois sim...é verdade...de uma pessoa k começou tal e qual como a senhora..em um dia de observaçao...acho sinceramente k perdeu a melhor oportunidade que teve na sua vida
Gentes da Beira disse…
Não precisamos de conhecer as pessoas para termos consciência das suas capacidades, o mais importante é que elas não sejam daquelas que destroiem os outros para ascenderem. O mais importante é ser e não parecer.

A Sara foi, apenas, uma das muitas pessoas que partilhou esta experiência de vida comigo. Só ela, um dia, poderá avaliar se perdeu ou não a melhor oportunidade que teve na sua vida.

Desejo-lhe os maiores sucessos pessoais e profissionais.

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