Rimary… a artista da sensibilidade

Desta vez, fomos saber mais sobre azulejaria. Motivados pela curiosidade de saber quem é, afinal, a autora dos painéis de azulejos que dão outro brilho a Santa Comba Dão, e a tantas outras terras, entrámos no mundo de Rimary. Uma artista simples, de uma sensibilidade rara, capaz de dar uma dimensão incalculável a aspectos da vida, que passam distantes da maioria dos mortais.
Actualmente, com o privilégio de fazer aquilo que gosta, Rimary conta-nos o porquê de ter trocado um trabalho de 20 anos pela arte. “Fui secretária e depois achei que estava na altura de fazer algo completamente diferente, que me desse gosto e prazer, não só pelo facto de poder ganhar dinheiro, como pelo prazer pessoal. Tirei um curso e estou a trabalhar naquilo que realmente gosto”, revela a pintora que transformou a azulejaria em profissão.
“Fui aperfeiçoando e apanhando gosto por aquilo que fazia e esperando para que as pessoas vissem o que eu fazia, para terem noção de que realmente eu não fazia só porque aprendi, mas faço, e com certeza que sempre farei, com gosto de o fazer em si”, esclarece não escondendo “que o dinheiro é um ponto chave em todas as pessoas”, apesar de não ser isso que a motiva.
“O que realmente me motiva é o gosto de fazer e, depois como é óbvio, isto é como os artistas que estão num teatro, num palco… gostam dos aplausos, porque gostamos de ver o nosso trabalho apreciado. É sinal que demos o melhor de nós e que as coisas funcionaram e estão bem”, reconhece.
A trabalhar essencialmente para Câmaras e Juntas de Freguesia, Rimary adianta-nos que investiu a nível das localidades, porque “há coisas maravilhosas que se podem fazer nesse campo”.
A atestar tal facto estão os inúmeros trabalhos da artista espalhados pelo país e pelo mundo, porque para além de “darem vida a espaços mortos”, contam uma história. “Aquele contar de histórias de boca está a desaparecer, então é uma maneira de se divulgar a história da própria terra-mãe e das aldeias que a circundam”, justifica.

“É um trabalho onde investimos hoje, para uma série de gerações seguintes”

Apaixonada pelo seu trabalho, garante-nos que “uma coisa básica pode tornar-se numa obra de arte” e recorda-nos que os trabalhos de azulejaria duram séculos, “parece um disparate, mas não é. A gente vê pelos nossos monumentos, pelas igrejas, que há trabalhos quinhentistas e obras que estão perfeitamente preservadas e que se mantêm com a mesma beleza desde o dia em que foram feitas”.
Contudo, muitos consideram a azulejaria “uma arte menor”, porque, na visão da artista, esta “é uma arte relativamente barata para a duração que tem”.
Outra particularidade é o “gozo” que dá fazer o mesmo trabalho inúmeras vezes. “Podemos repeti-lo 500 vezes que nunca é igual. A pincelada nunca é a mesma, cada pintor tem as suas características, a sua maneira de estar”, realça.
Como em todos os trabalhos, embora este seja “uma coisa solitária, tem a sua pressão”, mas quando se gosta do que se faz, como é o caso, há sempre a possibilidade de melhorar. “Eu gosto do que faço e quanto mais tenho para fazer acho que mais me aplico, mais gosto, mais interesse tenho que realmente saia perfeito, porque a prática é que faz a perfeição”, considera explicando que este é um “trabalho onde investimos hoje, para uma série de gerações seguintes”.

“Para uma pessoa que pense viver disto, o início é muito, muito complicado”

Caracterizada por uma profissão solitária e por vezes desmoralizante, a azulejaria, à semelhança de outras artes, arrasta consigo as pessoas para uma “estranha forma de vida”, na medida em que o artista passa muitas horas a avaliar-se a si mesmo e não tem horários para satisfazer e saciar a sua fonte de inspiração.
“Para uma pessoa que pense viver disto o início é muito, muito complicado, porque o artista primeiro tem que mostrar aquilo que vale e, às vezes, isso demora anos a atingir”, como nos elucidou Rimary.
A realidade é que nesta área as pessoas “não podem desmoralizar, porque tanto se tem muito trabalho, muitas encomendas, como se pode passar uma temporada bastante, bastante parada”. Quanto ao investimento, “para o bolso médio português é um investimento bastante grande. As muflas são bastante caras, as tintas também, os azulejos são dificílimos de arranjar, porque as fábricas não gostam de fazer este tipo de azulejos, não lhes dá rendimento, porque é preciso mudar uma linha toda de uma fábrica para fazer isto e, há muita dificuldade em arranjar deste azulejo”, alerta.
Porém, estas são apenas algumas dicas que fazem com que esta artista tenha orgulho no seu trabalho, “porque são trabalhos que ficam para muitas gerações e que tornam, às vezes, os sítios que estão relativamente mortos, com vida, com uma beleza que não choca ninguém”.

“Eu tenho orgulho no meu trabalho”

Para além, de poderem ser apreciados nos cantos e recantos de diversas localidades, nomeadamente na cidade santacombadense, os trabalhos de Rimary podem ser vistos e apreciados nalgumas exposições. “Por norma não participo em exposições, porque como sou sozinha não dá hipótese de ir fazer exposições. Faço anualmente em Santa Comba Dão, onde estou presente. No teatro Mirita Casimira, em Viseu, fazia uma exposição no Algarve e o resto das exposições que faço em várias localidades são as próprias Câmaras da zona que vêm buscar os trabalhos, que os assumem. Escolas, inclusive”.
Em suma, este é, apenas, um mosaico de vida de uma mulher que mesmo que não pudesse fazer disto profissão, “com certeza que não deixaria mais de pintar”.
Cristina Correia Pinto
in O Tabuense

Comentários

Anónimo disse…
Após ter tomado conhecimento do "Sábios Mestres" não poderia deixar de colocar aqui uma palavra de aprovação pela excelente ideia de colocar online figuras da nossa região beirã, bem merecedoras de serem conhecidas e divulgadas.
Para a jovem redactora, que sabemos acabada de abraçar a profissão de jornalista, vão mil palavras de incentivo. Que o engenho e arte de colocar no papel o que os teus sentidos observam, te acompanhem sempre cara Cristina.
Deste lado do Atlântico segue aquele abraço que gostaria extensivo à Rimary, artista que nos tempos em que eu "fazia de jornalista" me concedeu o prazer de escrever um pouco sobre a sua obra.
Neves, AJ

Post-scriptum - um texto justificado tem muito mais beleza cara Cristina... muito bem.
MM disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
MM disse…
Muitos parabéns e força para continuar.

Mensagens populares deste blogue

Nuno Mata lança livro sobre “Alberto Martins de Carvalho – o Homem, o Autor, a Biblioteca”

Procópio Gageiro um canteiro artesão... “com trabalhos espalhados pelo mundo inteiro”

Conscientes e Psicopatas