Maria José Costa uma filha do mar que voa como as gaivotas

“…o som das ondas é como as harpas, tocadas por anjos, suave que me encanta…”
Maria José Costa
Dizem que os artistas são estranhos, talvez por serem seres inconformados com o mundo que os rodeia. Sensíveis, amantes insaciados procuram através da arte uma resposta, um caminho, uma razão para o mundo onde vivem, enfim… que alguém ouça o grito que lhes aperta o peito e liberta a alma.
No lugar de Santo Antão, freguesia de Sinde, concelho de Tábua, vive a poetisa e pintora Maria José Costa. Com uma paixão nata pelo mar e por tudo o que lhe diz respeito, a artista voa como as gaivotas, regida pelas marés, com frases, pensamentos e vivências que jamais esquecerá.
“E se alguém acreditar
Que o amor não está a mudar,
É um poeta
Um sonhador
… um grande sofredor…
Que acredita no que os outros não conseguem
Enxergar
Que no fundo de um triste olhar,
Ainda há uma fantasia em que possa acreditar…”
É desta forma que Maria José Costa nos transporta para o seu mundo, onde ela é a Princesa, “alguém bastante diferente…” do ser que a sociedade teimosamente quer ver.
Hoje, com pouco mais de meio século de vida, leva-nos a passear pelo seu mundo à beira mar. Ao som do grasnar das gaivotas regressamos à sua infância e, viajamos até Leça da Palmeira, onde “na simplicidade da época (…) a pobreza era certa”.
Boa aluna e com um dom especial para o desenho, enquanto estudante, e apesar das dificuldades, costumava fantasiar com uma vida igual à das amigas com mais posses.
“Via-me ao espelho
Com as roupas delas,
As fitas amarelas, os sapatos cor-de-prata,
A pasta não era de pano, era de couro – se não me engano.
A caixa de madeira lá estava,
Com lápis e lapiseira
Era a maior carteira.
Na fila das melhores eu estava.
Deixei de ser a pobrezinha
Passei a ser a princezinha.
Era assim que eu sonhava,
Mas como tudo na vida, os sonhos também acabam.”
Confrontada com a realidade, e como acontecia com quase todos os jovens da sua idade, cedo deixou a escola para ir trabalhar nas confecções.
“E acabou-se a monarquia,
Ao corpo santo eu subia
E dizia para mim:
«não sou nada do que pensei»...”
Uma triste conclusão que anos mais tarde, juntamente com mais dissabores da vida, a condenou a uma depressão e, “os sentimentos parece que subiram mais à flor da pele”, refere. Com três homens em casa – marido e dois filhos – e ocupada com o emprego o dom da poesia era recalcado. Só quando fez 25 anos de casada é que dedicou um poema ao marido e não conseguiu parar de escrever.
Dominada pela depressão, o maior consolo era a praia. “Gostava de andar na espuma para lá… para cá… mesmo chovendo. Levava pão, arroz e aquilo que as pessoas fazem com os cãezinhos e com os gatinhos eu fazia com as gaivotas. Então eu chamava ‘meniiiinaaas…meniiiinaaas…’ e, elas vinham todas, de longe, às dezenas e comiam na minha mão. Ficava rodeada de gaivotas”, descreve sentindo-se reconfortada por poder partilhar estados de alma com estas aves, que tão bem a conheciam e compreendiam na praia dos Beijinhos.
Contudo, as melhoras eram poucas e, levada pelas circunstâncias da vida veio para o concelho de Tábua. O seu refúgio passou a ser a poesia e a pintura, duas artes, dois dons que nasceram consigo. “Se eu fosse escrever tudo o que me vinha à mente eu não dormia”, confessa lembrando-se que motivada pela doença chegou a um ponto em que a sua letra deixou de ficar perceptível. “Então, comecei a gravar num gravadorzinho pequenino, mas depois liguei-me mais um bocadinho para a pintura e, agora tenho escrito mais amiúde”, adianta.

“… o mar corre nas minhas veias e a lua tem influência na minha vida, por que o nosso corpo é feito de água e, então, as marés têm influência no meu sangue…”
Maria José Costa

Autodidacta, leva-nos à carteira da escola para vermos onde se apercebeu que tinha jeito para o desenho. Uma vez num trabalho da escola, foi pedido para fazer pela altura das festas populares um Santo António. “Eu fi-lo tão bem feito que eu tive medo que a professora achasse que não fui eu que fiz e, eu lembrei-me de dizer que foi o meu pai. O meu pai na altura foi pagar a admissão (da 4.ª classe) e a professora disse: ‘- Olhe, dou-lhe os meus parabéns o senhor também tem muito jeito para o desenho, por isso a sua filha sai a si. Fez um Santo António muito bem feito.’ E o meu pai ficou espantado. Quando chegou a casa perguntou-me se tinha feito algum Santo António. Eu pedi desculpa ao meu pai e disse: - Fui eu, mas estava tão bem que eu tive medo que ela desconfiasse que não fui eu. Disse que foste tu e eu ajudei”, recorda.
Inspirada, acima de tudo pelo mar e, por tudo o que de simples existe no mundo procura dar-nos uma explicação lógica para a sua ligação com a praia. “Não é em vão que eu tenho muitos poemas que falam do mar. Até mesmo antes de eu nascer a minha mãe remendava redes numa fábrica de confecção de redes e, eu digo que até aí fui influenciada, por que corriam por cima do ventre da minha mãe as redes de pesca e, esse cheiro do mar já passava em cima da barriga dela”, justifica.
Admiradora das obras de vários poetas, nomeadamente de Florbela Espanca e Miguel Torga, defende que Manuel Cid Teles é único. “Um grande poeta, um grande amigo, com ele tenho aprendido muito, gosto muito de conversar com ele e, gostava que ele tivesse mais apoio e fosse mais visitado. Os poetas não são só poetas quando morrem”, alerta evidenciando que devia ser dada mais atenção a Cid Teles.
Em suma, ser poeta é… ser tudo e ser nada. Como escreveu Florbela Espanca é “ter um astro que flameja, / é ter garras e asas de condor!”, para Maria José Costa é uma forma de se “libertar das dores emocionais” e de ser “aquilo que gostaria de ser e de viver” e, que não vive, porque é “impossível viver neste mundo em que nós estamos. O mundo em que nós vivemos é muito complicado, muito cheio de orgulho, muito mal tratado. O Homem é muito senhor de si. É o meu eu e depois tu. As portas fecham-se umas atrás das outras”.
Um retrato do mundo como ele é para Maria José Costa, que tem consciência de que sabe que existem mais revoltados e inconformados com o dia-a-dia.
“…achei-o tão parecido comigo, carente
Triste e só como eu
Naquelas lágrimas, eu vi as minhas lágrimas,
naquele desespero, eu vi meu desespero…”
Com vontade de encontrar a aguarela certa para colorir a sua vida, a artista tem batido a várias portas para divulgar o seu trabalho, mas todas se fecham. Em Tábua, colabora com O Tabuense e, tem tido um grande apoio de Ana Paula Neves, directora técnica da Biblioteca Municipal João Brandão, “que tem sido uma grande amiga”, e, de Sónia, “uma jovem muito querida”, funcionária da Biblioteca, que a ajuda a compilar os seus poemas. “Isso tem-me feito um bem enorme, porque só o facto de eu sair de casa para ir à Biblioteca faz-me um bem enorme”, desabafa na esperança de um dia “ser alguém,/ Alguém bastante diferente…!”.

Cristina Correia Pinto
In O Tabuense

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